Dia Mundial do Teatro - Mensagem 2010
A Sociedade Portuguesa de Autores pediu ao actor e encenador Rui Mendes que escrevesse uma mensagem para o Dia Mundial do Teatro.
"Apagam-se as luzes da sala. Acendem-se as luzes da cena. Entram os actores. Começa a escorrer para a plateia um caudal de sons que se transforma em ideias, de palavras vestidas de imagens, de ritmos que ressumam beleza, de corpos humanos que desenham poesia. 'A poesia ensina a filosofia' disse Aristóteles. O mesmo faz o Teatro. São coisas inseparáveis.
Há muitas formas de dar início a um espectáculo de teatro, mas só há uma de o terminar: é com a gostosa recordação do que é efémero, daquilo que durante algum tempo nos preencheu os sentidos e o espírito, e que não volta a acontecer, senão na nossa memória assim enriquecida para o resto das nossas vidas. No verdadeiro teatro este é o sentimento que, no final, une os que o fizeram àqueles que a ele assistiram. É um dos milagres do Teatro.
A palavra TEATRO, deriva do grego 'THÉATRON', 'lugar de onde se vê'. Há os que vêem e os que são vistos. Há os que ouvem e os que são ouvidos. Mas todos são feitos da mesma massa, embora de diferentes cores de pele e de cabelos, de todos os tipos de educação e de formação, com variadíssimas experiências e objectivos na vida.
E se, pelo menos na cena, todo o colectivo teatral tende a ser uma comunidade homogénea sem a qual não pode funcionar, já o mesmo se não pode dizer dos que estão na plateia. A utopia de uma sociedade igualitária, sem chocantes divisões sociais, está longe de vir a ser uma realidade palpável. É um futuro eternamente adiado.
Talvez que a permanência de problemas por resolver seja uma das nossas razões de existir, uma espécie de sal da vida. Mas persistem teimosamente dramas concretos que afligem cada vez mais os seres humanos. E não devia ser assim. O teatro que é e terá de ser sempre poesia, não pode nem deve, talvez por isso mesmo, ficar indiferente.
Num mundo cada vez mais superpovoado, permanecem os conflitos sociais, as lutas tribais, as religiões, os ódios, as guerras pelo poder, as discriminações, as economias selvagens, a fome e toda a espécie de privações forçadas. E que ninguém venha pedir contas ao Teatro e aos que o praticam, de serem culpados de alguma coisa.
Pelo contrário, o Teatro tem sido, por várias formas, uma flecha arremessada aos poderosos, um aríete apontado aos portões da crueldade, dos gananciosos, dos desonestos e dos oportunistas. O Teatro só pode ser praticado com afectividade, com a generosidade de dar e com a coragem de pugnar pelo bem. Caso contrário renega-se, abastarda-se. Por estas razões ele devia estar na primeira linha das preocupações dos governantes, que têm a estrita obrigação de o apoiar com justeza e visão. Mas até talvez seja por estas razões que eles tanto o desprezam, quando não o combatem abertamente.
Jean Paul Sartre disse numa entrevista: 'Uma peça escapa ao seu autor desde que o público está na sala.' E mais adiante: 'Em Teatro as intenções não contam. O que conta é o que sai. O público escreve tanto a peça como o autor'.
Sófocles, Gil Vicente, Shakespeare, Molière, Goldoni, Schiller, Goethe, Ibsen, Strindberg, Tchecov, Shaw, Pirandello, Brecht, Beckett, Osborne, Pinter, entre muitos, muitos outros autores teatrais, preocuparam-se e reflectiram sobre os problemas do seu tempo, que curiosamente são os mesmos de hoje. Não podemos deixá-los a falar sozinhos.
E esta obrigação envolve-nos a todos: dramaturgos, encenadores, artistas plásticos, músicos, actores, produtores e até o próprio público, sobretudo aquele que não vai ao teatro. É preciso fazer chegar o Teatro ao maior número.
Só assim será possível ajudar a mudar o Mundo. Para melhor, claro. 'Para pior já basta assim'."
Rui Mendes